Sobre o Botafogo no Brasileirão 2023

Eu era feliz e sabia.

Arthur Lemos Coutinho
7 min readDec 31, 2023

Este texto faz parte do meu processo de cura. Acho que vou sentir uma certa tristeza ou pesar toda vez que associar as palavras Botafogo e 2023. Parece bobagem, eu sei que é só futebol e blá, blá, blá. Mas penso que tentar descrever alguns desses sentimentos vai me fazer bem.

Vou presumir que o leitor não saiba nada do que aconteceu no Campeonato Brasileiro de 2023 e, nesse sentido, descreverei e revisitarei os momentos mais felizes e tristes do Botafogo no ano. Se o leitor tiver pouco conhecimento sobre futebol, imagine a situação parecida com o sentimento de luto. Talvez pareça exagero, mas a expectativa criada com a possibilidade de título brasileiro foi tão grande que a frustração pelo resultado final é muito parecida com esse sentimento de luto.

Perdi as contas de quantas vezes tentei escrever esse texto. O campeonato acabou já a algumas semanas, o ano de 2023 está acabando e talvez impulsionado pelas diversas retrospectivas que tenho acompanhado me senti mais motivado a escrever e publicar estas palavras. Não quero levar o Botafogo de 2023 comigo, por mais que eu saiba que as derrotas e frustrações possam se repetir em 2024. Mas lá no futuro a gente lida com isso.

Agora, quero lembrar que fui muito feliz com as vitórias do Botafogo contra São Paulo, Bahia, Flamengo, Atlético Mineiro e Corinthians. Feliz de verdade. Naquele momento o campeonato estava só começando, não dava para projetar a conquista do título. Mesmo assim, lembro bem do sentimento de prazer após aquela vitória contra o Flamengo na terceira rodada.

A reprise do jogo estava passando na TV esses e dias e consegui reassistir os últimos minutos. Ver Marinho, Fabricio Bruno, David Luiz, Éverton Ribeiro, Bruno Henrique, Matheus França, Pedro e Gabigol se aproximando da meta defendida por Lucas Perri fez meu coração bater forte novamente. Quando Tiquinho fez o terceiro gol, já no segundo tempo, gritei e comemorei como se não houvesse amanhã. O jogo foi movimentado, com lances de perigo desde o início, gols, expulsões, erros de arbitragem, defesas milagrosas e o melhor de tudo isso: a vitória do Botafogo. Foi lindo.

Ainda no primeiro turno, a vitória contra o Palmeiras no Allianz Parque também foi marcante. Não sabíamos, mas seria a última comandada pelo técnico Luís Castro no campeonato. Vencemos por 1x0, aumentamos a vantagem na liderança e a pergunta era: se já vencemos Flamengo, Palmeiras e Atlético-MG no primeiro turno, perderíamos de quem?

De fato, no primeiro turno perdemos pouco, apenas para Goiás e Athletico. Mas o segundo turno deu lugar a todas as desgraças e as piores derrotas possíveis.

Claudio Caçapa substituiu interinamente o português Luis Castro no comando da equipe e conseguiu vitórias importantes contra Vasco, Grêmio e Bragantino. O português Bruno Lage chegou na sequência para assumir a equipe pelo restante da competição. Sob seu comando, obteve empates contra Santos e Cruzeiro e vitórias convincentes contra Coritiba, Internacional e Bahia.

A primeira derrota, porém, veio contra o Flamengo no estádio Nilton Santos e trouxe a primeira crise. Marlon Freitas fez um gol contra nos primeiros minutos do jogo, Victor Sá empatou ainda no primeiro tempo, mas Bruno Henrique garantiu a vitória rubro-negra, no segundo tempo, com belo chute de fora da área. Resultado aparentemente normal por se tratar de um clássico, mas que se transformou em crise após declaração de Bruno Lage na coletiva de imprensa. Entre outras coisas, o português declarou que colocava o cargo à disposição. A fala não pego bem, a situação foi contornada por algumas semanas, mas a demissão do treinador se efetivou após empate contra o Goiás.

Lúcio Flávio, ex-jogador e técnico do time sub-23, foi escolhido para comandar o time dali em diante. O início foi promissor: vitórias com autoridade sobre Fluminense e América-MG. O atacante Junior Santos teve participação decisiva nas duas partidas e era o destaque do time naquele período. Aquela altura não sabíamos, mas a vitória contra o América-MG, no dia 18 de outubro, seria a última do Botafogo no Brasileirão 2023.

Na partida seguinte, contra o Athletico, no Nilton Santos, a energia negativa se manifestou e o clima de positividade começou a mudar. A energia do estádio apresentou grande instabilidade, a partida foi paralisada por diversas vezes até ser suspensa e remarcada para o dia seguinte. No fim, o jogo terminou empatado em 1x1.

A derrota contra o Cuiabá por 1x0 também no Nilton Santos parecia um aceitável acidente de percurso diante do bom desempenho apresentado pela equipe durante os 90 minutos. Em lance de sorte do atacante Pitta numa bola chutada por Lucas Perri fora da área o Cuiabá marcou seu gol. Suficiente para vencer a partida.

Se é verdade que existem 5 fases do luto (negação, raiva, negociação, depressão e aceitação) conforme proposto pelo modelo Kübler-Ross, na partida contra o Palmeiras, no dia 01 de novembro, experimentei a negação. Finalizamos o primeiro tempo ganhando por 3x0, FORA O BAILE, e terminamos o jogo com uma derrota de 4x3. A cena do Tiquinho desperdiçando uma cobrança de pênalti que colocaria o placar em 4x1 em meados do segundo tempo não sai da minha cabeça. Dormi mal aquela noite e nas noites seguintes. Meu irmão, Lucas, me disse no dia seguinte que sentia que tínhamos perdido o campeonato ali. Outros botafoguenses sentiam e pensavam algo parecido. Na fase da negação, naquele momento, eu não acreditei. Mas o tempo provou que eles estavam certos e eu errado.

O roteiro de crueldade se repetiu contra Grêmio, Bragantino, Santos e teve seu ponto máximo contra o Coritiba. O Coritiba já era uma equipe rebaixada para disputar a segunda divisão do ano seguinte, mesmo assim o time do Botafogo não produziu o suficiente para garantir uma vitória consistente e tranquila. Acontece que aos 52 minutos do segundo tempo Tiquinho fez um gol de pênalti que garantiria a vitória do Glorioso e manteria viva as chances de título brasileiro em 2023. Como em muitas ocasiões durante o ano, eu comemorei aquele gol de pênalti como se não houvesse amanhã. Meu grito era uma forma de dar vazão à toda tensão e expectativa que eu sentia. O sonho de ver o Botafogo Campeão Brasileiro depois de 28 anos de espera estava vivo. Abracei Lucas e choramos. Mas aos 54 minutos o Coritiba teve a audácia de empatar o jogo. Mais uma noite de sono perdida. No fim, o Botafogo empatou um jogo que ele merecia empatar. Mas lidar com a expectativa e a frustração em minutos beirou o desumano.

No dia seguinte, depois de levantar da cama meio irritado, triste e ainda desolado, fui me dando conta do que estava acontecendo. Sentei na sala, peguei o celular pra ver comentários no Twitter e não consegui segurar o choro de sofrimento. O sentimento era de que algo em mim estava morrendo. Como no filme Divertida Mente (Pete Docter, 2015), sentia que uma memória base estava ruindo dentro de mim.

Acompanhei resignado as últimas partidas do campeonato. As chances de título se foram, o Palmeiras assumiu a liderança e se sagrou campeão na última rodada. Nem mesmo a troca de comando surtiu efeito. Lucio Flavio foi demitido depois do jogo contra o Bragantino e Tiago Nunes assumiu para comandar as últimas 5 partidas.

Nas duas últimas partidas, de forma melancólica, o Botafogo empatou contra o Cruzeiro e perdeu do Internacional. Tiquinho Soares se pôs a dar entrevista no final do jogo contra o Inter e pediu desculpas ao torcedor, dizendo que não merecíamos ter passado por isso. Concordei e aceitei as desculpas dele. Se foi difícil pra mim e milhares de botafoguenses, imagino como deve ter sido difícil para ele e os demais jogadores.

Não senti que passei pelas fases da Negociação e Depressão das 5 fases do luto, embora tenha me sentido muito triste durante alguns dias, mas posso dizer que estou vivendo a Aceitação.

Em conversas com Ingrid, comentei como os momentos mais felizes do ano não foram necessariamente aqueles que vive com o Botafogo, mas como os mais tristes foram. Percebi que eu deveria minimizar a importância do meu time de futebol na minha vida, considerando que minhas maiores alegrias no ano não vieram exclusivamente dele.

Agradeço ao meu pai e ao Lucas por compartilharem as alegrias que experimentamos em cada vitória. Agradeço a minha mãe por oferecer folhas de chá de cidreira pra me ajudar a dormir. E também agradeço a Ingrid por me compreender e me ajudar a conviver com os acontecimentos da vida, meu humor diante das vitórias e a tristeza nas derrotas.

Por muito tempo durante o ano me vi comemorando o título, afinal lideramos o campeonato durante 31 rodadas e chegamos a abrir uma vantagem de 13 pontos para o Palmeiras. Estivemos muito próximos do titulo e ainda me entristece lembrar que não ganhamos. Foi angustiante lidar com o sentimento de rejeição por ver o português trocar um time na liderança pra assumir um time na Arábia. Ainda estou sensível às palavras Luís Castro, Botafogo e Campeão Brasileiro. Em algum momento do ano isso esteve muito próximo de se concretizar.

Por fim, quando me perguntarem sobre o Botafogo de 2023 vou dizer: o ano que tive a maior alegria vendo um time jogar e ao mesmo tempo uma das maiores tristezas. Espero que 2024 seja diferente e para melhor.

Referências

Sobre o Modelo de Kübler-Ross de 5 fases do luto (leia aqui)

Melhores momentos

Flamengo 2 x 3 Botafogo (veja aqui)

Palmeiras 0 x 1 Botafogo (veja aqui)

Grêmio 0 x 2 Botafogo (veja aqui)

Botafogo 2 x 0 Vasco (veja aqui)

Fluminense 0 x 2 Botafogo (veja aqui)

Botafogo 3 x 4 Palmeiras (veja aqui)

Botafogo 3 x 4 Grêmio (veja aqui)

Bragantino 2 x 2 Botafogo (veja aqui)

Botafogo 1 x 1 Santos (veja aqui)

Coritiba 1 x 1 Botafogo (veja aqui)

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Arthur Lemos Coutinho

Acredita que Futebol, Política e Religião se discute. Tenta fazer isso de forma respeitosa. Doutorando-se | E-mail: arthurlemoscoutinho@gmail.com